Há exatos 13 anos – portanto em 7 de agosto de 2006 – era sancionada no Brasil a lei de combate à violência contra a mulher considerada pela ONU (Organização das Nações Unidas) uma das três mais avançadas do mundo. Popularmente conhecida como Maria da Penha (leia o porquê ao final deste post), a lei de nº 11.340 finalmente tipificou crimes cometidos contra mulheres – apenas por serem mulheres – e trouxe como inovações as medidas protetivas de urgência para as vítimas e a previsão de criação, pelo Poder Público, de equipamentos indispensáveis à sua efetividade: Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, Casas-abrigo, Centros de Referência da Mulher e Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, entre outros.
Até então, a violência doméstica e familiar contra o sexo feminino era tratada como crime de menor potencial ofensivo, enquadrado na Lei nº 9.099/1995 – na prática, era banalizada e as penas geralmente se reduziam ao pagamento de cestas básicas ou trabalhos comunitários.
Por isso, a data do 13º aniversário da Lei Maria da Penha é digna de comemoração para o Grupo Mulheres do Brasil, que trabalha pela sua aplicação em todas as esferas, por meio do Comitê de Combate à Violência Contra a Mulher.
Para a delegada de polícia Renata Lima de Andrade Cruppi, titular da Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher de Diadema e membro do Grupo, a Lei Maria da Penha veio fortalecer muitas mulheres que não conseguiam direcionamentos plausíveis e concretos para as violências que sofriam. “Surgiram políticas públicas mais fortes, olhares com menos julgamento dos serviços públicos, sentenças judiciais menos conservadoras, especialmente nas varas de família”, pontua.
Um ponto muito importante da lei, destaca Elizabete Scheibmayr, líder do Comitê de Combate à Violência contra a Mulher, do Grupo Mulheres do Brasil, foi determinar que a vítima somente poderá renunciar à denúncia perante o juiz, já que antes era muito comum a ela se sentir ameaçada pelo cônjuge e retirar a queixa na delegacia. “Além de poder requerer diversas medidas protetivas de urgência para a mulher em situação de violência, também ficaram proibidas as penas pecuniárias (pagamento de multas ou cestas básicas). Ou seja, agora sim, há uma punição verdadeira aos agressores”, ressalta a líder.
Para a promotora de Justiça de São Paulo e coordenadora do Núcleo de Gênero, Valéria Scarance, que também integra o Grupo Mulheres do Brasil, a lei ressignificou a história do Brasil. “Após 13 anos, podemos comemorar 339 mil medidas protetivas, mais de 1 milhão de processos instaurados, 131 varas judiciais especializadas”, comemora. Para além dos números, ela acredita que a lei também mudou as pessoas. “Chacoalhou nossa sociedade tradicional com o conceito de gênero, nos ensinou que para violência não há desculpas – mas processo – e nos engajou numa luta que é de todas nós. Nessa data festiva, nosso canto de parabéns é: uma por todas e todas por uma pelo fim da violência!”, conclui.
Reflexões
A delegada Cruppi vê ainda, como um dos principais avanços da Lei Maria da Penha, a previsão do artigo 35, voltado ao homem com perfil agressor. Defende buscar o entendimento dos elementos que o direcionam aos atos violentos, para se pensar em atos preventivos e em políticas públicas efetivas, independente do sistema de justiça. “Há necessidade de cuidados com toda a família: mulher (vítima contumaz, subjugada e fragilizada num contexto doméstico e familiar), filhos (evitar que reproduzam a violência presenciada no lar desestruturado) e homem (sua conscientização em relação aos atos praticados é demasiadamente relevante para que não revitimize as mulheres do seu lar, ou que produza novas vítimas; precisa entender seus próprios atos e reprovabilidade que as envolvem)”, declara.
A juíza de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo e integrante Grupo Mulheres do Brasil Tatiane Moreira Lima segue na mesma linha ao refletir sobre os avanços e desafios da Lei Maria da Penha na data de seu 13º aniversário. “Avançamos muito sobre o olhar da sociedade sobre a violência contra a mulher e equipamentos para atendimento delas. Contudo, ainda precisamos refletir sobre o papel do homem neste problema, políticas públicas para eles e em educação, criando uma nova geração de homens e mulheres que se respeitem igualmente”, pontua.
Ou seja, ainda é preciso trabalhar na origem da violência – a cultura do machismo –, o que só se faz por meio da educação e de conscientização constantes. Este foi um dos pontos discutidos no lançamento do Programa Plugar, promovido pelo Grupo durante todo o dia 27 de junho último, em São Paulo, para discutir formas de atuação no combate à violência contra a mulher.
O evento contou com um grande Fórum de discussão com a participação da própria Maria da Penha, de especialistas no assunto, e depoimentos de vítimas, conduzido pela presidente do Grupo, Luiza Helena Trajano (confira neste link a cobertura do evento). “Lançamos uma grande campanha pelo fim da violência contra a mulher, pois esse assunto não pode mais ser visto com indiferença pela sociedade. Esta é uma das causas globais do Grupo Mulheres do Brasil, estamos atuando junto ao Poder Público e à sociedade civil, propondo políticas públicas de combate à violência, assim como com programas de conscientização. E é uma grande honra termos a Maria da Penha como nossa parceira, nos inspirando nesta luta que é de toda a sociedade”, diz Luiza.
O Grupo lança neste mês uma campanha comemorativa aos 13 anos da Lei Maria da Penha, que será veiculada nas redes sociais, apresentando informações e dados estatísticos sobre o tema Combate à Violência contra Mulher.
Um pouco da história: uma lei com nome e sobrenome
O nome e sobrenome da Lei Maria da Penha é um reconhecimento histórico à autora do livro “Sobrevivi… Posso Contar” (1994), que iniciou a cadeia de movimentos políticos que forjariam, ao longo dos 12 anos seguintes, o ambiente propício para a criação da lei no País. Na autobiografia, Maria da Penha narra a tentativa de homicídio que sofreu, por parte do próprio companheiro, e que a condenou a passar o resto da vida em uma cadeira de rodas. Conta também como assistiu a seu agressor sair em liberdade do julgamento – no qual foi condenado – por conta de recursos de seus advogados de defesa.
O livro chegou a organizações não governamentais internacionais, que perguntaram a Maria da Penha se ela aceitava denunciar o Estado brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos). “Fizemos a denúncia e, em 2001, o Brasil foi responsabilizado internacionalmente pela forma negligente com que tratava os casos de violência doméstica e ‘obrigado’ a mudar as leis do País”, lembra a própria, em entrevista veiculada no blog do Instituto que também leva seu nome e trabalha, desde 2009, pelo combate à violência contra a mulher.
Entre neste link para conhecer e baixar a Lei Maria da Penha, na íntegra.
Por Sílvia Pereira
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