Precisamos todos exercitar a empatia (a faculdade de nos colocar no lugar do outro) nestes tempos de violência discursiva, mais visível nas redes sociais, mas que tem contaminado toda a sociedade. Foi a principal conclusão do bate-papo promovido pelos comitês de Cultura e de Políticas Públicas do Grupo Mulheres do Brasil, no último 12 de setembro, com Renata Belmonte, advogada tributarista doutora em Direitos Humanos e escritora de ficção, na sede do Grupo, em São Paulo.
Renata iniciou a conversa sobre “Vulnerabilidade e conexão em tempos de redes sociais” com uma dinâmica, na qual convidou duas voluntárias da plateia a criarem uma história para sua vida a partir da visualização de fotos pessoais que compartilhou com o público. Ao comparar as duas narrativas à sua própria, a palestrante demonstrou a primeira de três importantes constatações sobre esses tempos de polaridades políticas e de opiniões: ninguém consegue dizer, só a partir de imagens ou aparências, o que o outro está passando ou sentindo.
“É muito comum, hoje em dia, nossas narrativas sobre nós mesmos e sobre os outros surgirem a partir do que nós vemos em redes sociais”, pontuou Renata, acrescentando que assim muitos de nós têm incorrido em julgamentos de valor que influenciam o modo como recebemos os outros. Para ela, a melhor forma de evitar que isso leve à violência discursiva é cada um pensar sobre o modo como está se comportando com os outros, pessoalmente ou em redes sociais. “Precisamos ter uma escuta mais detalhada e cautelosa”, sublinhou.
A segunda importante constatação foi a de que não há empatia possível com o outro se não formos capazes de nos conectarmos com nós mesmos, com nosso próprio sofrimento. Neste ponto, Renata citou o livro de Amós Oz, “Mais de Uma Luz”, em que o autor ressalta algo que une qualquer ser humano, independente de raça, credo, gênero, nacionalidade, etc: o fato de que todos sofremos, ainda que por motivos diferentes. E só entendemos o sofrimento do outro se o encaramos em nós.
A importância das histórias
Segundo Renata, a empatia requer que conheçamos direito tanto nossa própria história quanto a do outro, o que temos feito cada vez menos ultimamente. Um dos motivos é o que o filósofo sul-coreano Byun-chul Han descreve no livro “A Sociedade do Cansaço”, também citado pela palestrante. O autor diz que, se no passado as pessoas sofriam por conta das negatividades, hoje em dia sofrem por excesso de positividade, pois são torpedeadas por muitos estímulos o tempo inteiro, muitas narrativas, muitas verdades ao mesmo tempo. “A gente fica sem saber o que é verdade ou mentira. A chegada da internet trouxe muita coisa boa, mas também trouxe uma profusão de falas que deixa a gente confuso e que nos faz tomar decisões sem tempo de refletir. Assim, reagimos com instintos primários, como medo, mágoa, dor ou ódio”, explica Renata, pontuando que é como acabamos praticando a violência discursiva.
Ela também destacou uma tendência desses tempos de comunicação virtual, de se reduzir o indivíduo a uma coisa só, quando todos temos uma legião de pessoas dentro de nós mesmos. Já para nos mostrarmos ao mundo, principalmente via redes sociais, elegemos os traços de nossa personalidade que desejamos que sejam vistos pelos outros e criamos avatares de nós mesmos. “O grande problema é que estamos ficando cada vez mais viciados nesses avatares. Quando nos prendemos a uma autoimagem, tudo o que o outro diz que possa, eventualmente, contradizê-la, parece que desmerece a nossa experiência no mundo. Quando vem alguém e desconstrói aquilo que você quer que seja visto como verdade absoluta, você reage, muitas vezes, com violência. Por que? Porque temos medo”, esclarece.
E temos tanto medo de sermos alvo de retaliações públicas, segundo Renata, que nos encastelamos em bolhas que funcionam como redes de proteção. Acabamos com dificuldade de conviver com a diferença. “Isso é um fenômeno que sempre existiu, mas que é bastante típico desse nosso tempo, com tantas possibilidades de escolhas e tantos recortes. Por isso o exercício de sairmos de nossos próprios avatares para escutar o que o outro tem pra dizer é importante”, orienta.
Neste ponto, a palestra chegou à terceira e última grande constatação: a de que relações verdadeiramente empáticas não se constroem em ambientes contaminados pela lógica de consumo e do espetáculo (caso das redes sociais), porque demandam que não se instrumentalize ou infantilize o outro, que não o tratemos como um objeto a ser usado para a nossa própria satisfação. “Relações empáticas requerem um exercício de alteridade: que eu me coloque ao lado da pessoa, que nos reconheçamos como semelhantes, mesmo considerando nossas diferenças”, diz Renata, que concluiu o bate-papo com uma frase de Hannah Arendt: “O mundo nada mais é do que o espaço entre as pessoas”.
Por Sílvia Pereira
Deixe um comentário