Texto enviado pelo Núcleo Vale do Silício, do Grupo Mulheres do Brasil
Queremos apresentar a convidada de honra do prêmio ScientistA a todos os que têm acompanhado essa iniciativa do Núcleo Vale do Silício do Grupo Mulheres do Brasil, em parceria com a Dimensions Sciences. Parte da equipe do primeiro laboratório a sequenciar o SARS-CoV-2, brasileira e com um pós-doutorado nos Estados Unidos, Ester Sabino revelou-se o nome perfeito para nos abrilhantar com a sua ilustre participação nesta primeira edição.
Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), ela contribuiu para o avanço dos estudos sobre a Doença de Chagas e participou dos primeiros sequenciamentos dos genomas do HIV e do Zika vírus no Brasil. Seu feito mais recente ampliou o reconhecimento ao seu trabalho até mesmo para fora da comunidade científica: o sequenciamento do genoma do vírus SARS-CoV-2 foi feito apenas dois dias após a confirmação do primeiro caso de COVID-19 em território nacional.
“O trabalho da Prof. Ester Sabino e outros estudos decorrentes dele estão sendo centrais no combate à pandemia. Isso, somado à importância que ela dá à valorização da cientista brasileira e ao fortalecimento da troca de informações entre cientistas nos Estados Unidos e no Brasil, a tornou uma escolha natural para esta edição que privilegia as ciências da vida e as ciências médicas” (Monica Kangussu-Marcolino, líder do Núcleo Vale do Silício do Grupo Mulheres do Brasil)
Tivemos a oportunidade de conversar com Ester e fazer algumas perguntas sobre sua trajetória profissional, incluindo suas dificuldades e motivações.
Confira os principais trechos desse bate-papo inspirador:
O que inspirou você a ser cientista e qual foi a sua trajetória para se tornar a cientista renomada que é hoje?
Eu sempre gostei de estudar e de fazer pesquisa, então acabei minha residência e quis fazer pós-graduação. Mas, no Brasil, tudo demora mais. Acho que minha carreira é de persistência, cada passo subindo aos poucos. Quando voltei dos Estados Unidos, eu tinha poucos recursos, os laboratórios não estavam montados, então cada pedacinho foi indo aos poucos e a minha mente e a minha carreira mudaram quando eu consegui meu primeiro grant do NIH (National Institutes of Health). A partir daí, eu comecei a fazer pesquisa um pouco mais parecida com as que os pesquisadores fazem nos Estados Unidos, mas isso só foi acontecer em 2006. Portanto, eu já estava com quase 50 anos. Então, é um longo período até que se consiga realmente realizar projetos por aqui, foi bem demorado no começo.
Quais dificuldades você encontrou durante a sua trajetória por ser uma mulher cientista e quais foram as soluções para esses desafios?
Eu acho que não tinha percebido, mas agora, revendo, vendo outros colegas… Os homens sempre ganharam vantagem ou espaço de recurso local, sempre tem uma diferença: de salário, de oportunidades. Acho que eu sempre fui muito persistente e que foi por isso que eu fui conseguindo mais reconhecimento agora, no final da carreira.
“Para mim, a representatividade de uma mulher numa posição de liderança na ciência é muito importante. A maioria dos meus mentores acadêmicos são homens, e a maioria das minhas colegas de profissão são mulheres. Pensei muito nas barreiras que afunilam as oportunidades para as mulheres atingirem liderança acadêmica. Acredito que toda história de sucesso deva ser celebrada” (Najara Veras, membro do Núcleo Vale do Silício do Grupo Mulheres do Brasil)
O que levou você a decidir fazer pesquisa nos EUA e qual foi a motivação para retornar ao Brasil?
Fui para os Estados Unidos com uma bolsa da Fundação Fogarty. Naquele momento, estava tendo epidemia de HIV, portanto era uma bolsa focada em HIV que exigia que a pessoa voltasse para seu país de origem após o término. Mas acho que eu teria voltado ao Brasil de todo modo. Eu não me sentia tão confortável nos Estados Unidos, no lado pessoal, e eu achava que ia fazer diferença por aqui.
Na sua opinião, quais são os bônus e ônus de fazer pesquisa no Brasil?
O ônus de fazer pesquisa no Brasil é que você tem que ser muito mais persistente, as coisas são muito mais demoradas e você não faz a pesquisa que idealizou e sim a que ‘dá para fazer’. Aqui você é um pouco mais focado no que pode fazer.
O bônus é que se sente mais o impacto do que você faz aqui do que nos Estados Unidos, com milhares de pessoas fazendo a mesma coisa. Lá, seu impacto às vezes fica no meio de um grande grupo.
Quais as suas sugestões para que mais mulheres consigam cargos de liderança na ciência?
Na verdade, eu nunca gostei de subir na área administrativa na universidade, mas eu acho que é algo importante. Nós temos que, apesar das barreiras, nos juntarmos e trabalharmos um pouco mais em conjunto. Acho que a questão de ajudarmos outras mulheres, as mais jovens, e de termos parceria com as outras facilita, e que é isso que as mulheres precisam mudar no jeito de trabalhar.
Qual foi a sensação de ser a pioneira no sequenciamento do SARS-CoV-2?
Olha, o sequenciamento era o que a gente fazia, o que eu sempre fiz. Então, fiquei um pouco assustada com o tamanho do impacto na mídia por sequenciar o primeiro Covid. Eu acho que fiquei assim porque não é uma grande descoberta, não é um fato científico tão importante. Acho que os trabalhos que eu fiz depois foram realmente mais importantes, mas foi o primeiro sequenciamento que tocou os brasileiros e, de alguma forma, a imprensa. Ainda assim, não era do meu feitio – eu sou mais introspectiva e essa questão da mídia me assusta um pouco.
“Homenageamos o fato de que a Prof. Ester, uma cientista exemplar, juntamente com outra cientista (Jaqueline Goes de Jesus, pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP), foi visionária e sequenciou o SARS-CoV-2 em 48 horas. Elas usaram a tecnologia que já tinham no laboratório em um vírus sobre o qual, naquele momento, ninguém sabia nada. Com esse trabalho, ela deu visibilidade à mulher cientista! Ela fez a mídia dar mais valor às mulheres na ciência. A trajetória dela representa o prêmio: dedicação, perseverança, visão e sucesso de mulheres cientistas” (Liliana Moura membro do Núcleo Vale do Silício do Grupo Mulheres do Brasil)
Para encerrarmos, você teria uma frase de incentivo para meninas e mulheres que sonham em ter uma carreira de sucesso na ciência?
Eu acho que as mulheres têm toda a capacidade para isso. Elas precisam ir atrás, se colocar e não desistir porque receberam um “não” ou por falta de incentivo. As mulheres têm tanta capacidade quanto qualquer homem. Precisam estudar, continuar estudando. Se gostarem de fazer ciência, essa é uma carreira ótima para a mulher.
Núcleo Vale do Silício do Grupo Mulheres do Brasil
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Tenho orgulho não só em lê, ouvir – “acho que às mulheres tem capacidade para isso. Elas precisam ir atrás, se colocar e não desistir…”. Mais Sim, em vê que isso é possivel.