Principal assunto discutido durante a roda de conversa “Mulheres e Poder”, com a cientista política Débora Tomé
“Você tem um déficit democrático quando existe um grupo tão numeroso – somos 52% da população e só 15% no parlamento – com tão pouca representação”. Com o devido crédito a uma conhecida feminista, esta paráfrase da cientista política e escritora Débora Tomé deu o tom do principal assunto discutido durante a Roda de Conversa “Mulheres e Poder”, realizada no último dia 16 de maio, pelo Grupo Mulheres do Brasil, em São Paulo.
Autora dos livros “50 Mulheres Incríveis para Conhecer Antes de Crescer” e “Mulheres e Poder”, ativista feminista com atuação em advocacy, treinamento e pesquisa relacionadas às questões da mulher, Débora foi a convidada principal do evento, realizado em conjunto pelos comitês de Cultura, de Políticas Públicas e de Igualdade Racial do grupo. Mediada pela líder do Comitê de Cultura, Janine Durand, a roda de teve ainda a participação da advogada, conciliadora e mediadora no Tribunal de Justiça de São Paulo, Ketlein Souza, que representou o Comitê de Igualdade Racial; e Luciana Burr, advogada e representante do Comitê de Políticas Públicas.
A conversa começou com Janine perguntando o que nasceu primeiro em Débora: a feminista ou a escritora. Nascida em São Paulo, mas criada no Rio de Janeiro, Débora narrou sua história com os livros, pelos quais é apaixonada desde criança. “É uma paixão difícil, porque requer concentração, mas ela te conduz a caminhos pelos quais você não consegue imaginar como seria capaz de chegar”. Lembrou que, em um passeio à USP com sua turma do 2º ano do Ensino Fundamental, escreveu em sua redação que, quando adulta, seria escritora.
“A feminista nasceu comigo. Eu brigava com os meninos desde sempre (…) Eu não entendia por que não podia ser tão líder quanto eles”, conta, emendando que, em razão desses questionamentos, muitos diziam que ela estava se comportando como um homem. Acabou concluindo que tanto a escritora quanto a feminista nasceram juntas.
Todas somos feministas
Débora entende o conceito de feminismo de forma muito ampla. Considera que todas as mulheres o são, pois ser feminista é ter empatia uma com a outra e não competir.
Sua ideia de feminismo é querer que a mulher tenha direitos iguais aos dos homens e não seja impedida por nada em sua potência. “Não é querer que a mulher seja igual ao homem. Cada um tem que ser como deseja, mas ela não pode ter barreiras para o que pode fazer”, diz.
Ketlein lembrou a luta de décadas das mulheres, lamentou as atuais movimentações de poder no Brasil que ameaçam o direito à Educação e perguntou que mensagem Débora pode deixar para o jovem ante este cenário.
“Em momentos em que parece que está tudo turvo, a gente tem que voltar para dentro, no sentido de voltar para o nosso quintal, fazer o que estamos fazendo aqui”, respondeu. “Façam cada vez mais e valorizem, porque esse trabalho que vocês estão fazendo é transformador”, acrescentou Débora.
Luciana Burr pontuou que, paradoxalmente, ainda hoje muitas meninas estão fora da escola, mesmo matriculadas, e que muitas delas saem por causa de gravidez precoce. “Um fenômeno que talvez não esteja tão perto da gente, mas muito presente no Brasil. Acho que é um ponto que a gente tem que olhar, já fazendo uma transversalidade de políticas. Também lembrar que no mundo são muitas meninas fora da escola, no Oriente Médio, na África. Ainda há muita luta pela frente”.
Brasil na lanterna
Como representante do Comitê de Políticas Públicas, Luciana comentou o capítulo do livro de Débora que versa sobre as barreiras existentes atualmente no Brasil para a mulher se engajar politicamente. Os números mostram que o País tem, em média, 44% de mulheres filiadas a partidos, mas apenas 15% chegaram ao Congresso na última eleição – “menos que no Oriente Médio”, ressaltou Luciana.
A discussão passou pela constatação de que nem a lei de 1996, que estabeleceu cota obrigatória de candidatas por partido, nem a determinação recente do STF (Supremo Tribunal Federal) de destinar 30% das verbas oficiais de campanha às postulantes a cargos públicos têm contribuído para aumentar a representatividade feminina na política.
Prova disso é que o Brasil ocupa, atualmente, o 133º lugar em representação feminina, entre 193 países pesquisados. “O México, que é um país machista, está em 4º. Em toda a América Latina isso está avançando”, disse Débora, sinalizando o quanto o Brasil ainda está atrasado em relação a seus pares.
‘Apoderamento’
Instigada por uma participante a falar sobre interseccionalidade – conceito sociológico que estuda as interações na vida das minorias entre diversas estruturas de poder (ou seja, estuda não só o fato de ser mulher, mas ao mesmo tempo o fato de ser negra, de ser LGBT, etc) –, Débora comentou: “acho que nós somos camadas e, dependendo da situação que você vai estar, a opressão vai mudar. Então, se uma mulher negra é envolvida num episódio de violência doméstica, também tem uma questão de gênero envolvida. Então não é fácil trabalhar com a interseccionalidade. Estamos numa fase de fazer perguntas, estamos começando a andar”.
Débora encerrou sua fala evocando um termo que tem preferido ultimamente em lugar de empoderamento: ‘apoderamento’. “Acho que a gente tem que se apoderar de nossas qualidades. Eu falo que existem três eixos que as mulheres precisam trabalhar nessa estrutura de poder: o apoderamento, que é individual; o trabalhar em conjunto, ajudando outras mulheres; e o terceiro, que é mudar as instituições, ou seja, agir na política pública e tentando influenciar as empresas. E vocês fazem muito tudo isso aqui, mulher empoderada sozinha não adianta”, conclui.
*Por Sílvia Pereira
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